Quando XP Investimentos avisou, no dia 6 de outubro de 2025, que iria acionar o mecanismo de vencimento antecipado de Certificados de Operações Estruturadas (COEs) ligados aos bonds da Ambipar Ambiental S.A. e da Braskem S.A., o mercado de renda fixa ficou em polvorosa. Os investidores descobrem que vão receber apenas entre 6,88% e 36,97% do capital aplicado, ou seja, perdas que variam de 63% a mais de 93%.
Contexto dos COEs e como eles funcionam
Os COEs são produtos híbridos – misturam características de renda fixa (previsibilidade) e renda variável (potencial de alta). Regidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por meio da Instrução nº 569, eles precisam ser registrados em infraestrutura de mercado e obedecer a regras de transparência. Existem duas categorias principais: “capital protegido”, que garante ao investidor, no mínimo, o valor nominal ao vencimento, e “capital em risco”, onde todo o principal pode ser perdido.
No caso dos COEs analisados, a Ambipar oferecia retorno de CDI + 4,9% ao ano, já a Braskem prometia IPCA + 9,5% ao ano. O atrativo era o rótulo de “segurança da renda fixa” associado à possibilidade de ganho acima da inflação.
Detalhes da liquidação antecipada
Para os COEs da Ambipar emitidos até 18 de março de 2024, a data de vencimento antecipado foi fixada para 7 de outubro de 2025São Paulo. Cada R$ 1.000 investido será convertido em apenas R$ 68,80 – perda de 93,12%.
Já o lote da Braskem, emitido até 25 de março de 2024, tem liquidação para 10 de outubro de 2025São Paulo. O retorno varia entre 26,62% e 36,97% do valor investido, o que ainda representa perdas brutais de 63,03% a 73,38%.
- Ambipar: 6,88% do capital – perda de 93,12%
- Braskem (faixa baixa): 26,62% – perda de 73,38%
- Braskem (faixa alta): 36,97% – perda de 63,03%
- Data da liquidação: 7 e 10 de outubro de 2025
- Distribuidores: XP Investimentos e BTG Pactual
O gatilho foram as cotações dos bonds no mercado secundário: o título da Ambipar chegou a 13% do valor de emissão, enquanto o da Braskem ficou em torno de 20%. Esses níveis estão muito abaixo dos limites contratuais que obrigam o disparo da cláusula de vencimento antecipado.
Reações dos investidores e fluxo de reclamações
O portal Reclame Aqui registrou mais de 300 reclamações nos dois dias seguintes ao comunicado. Muitos investidores afirmam que não foram informados adequadamente sobre o risco de “capital em risco”. Um comentário incendiário de Geraldo Carvalho, publicado no site O Antagonista em 8 de outubro de 2025, acusou a XP de ser "uma pirâmide igual ao Master, vai quebrar e lesar milhares de gananciosos mal informados".
Outros usuários simplesmente repostaram memes, como o vexado “TOME.....KKKK. SIFU. KKKK” que circulou no grupo de WhatsApp de investidores em 7 de outubro. Apesar do tom jocoso, a dor é real: milhares de pequenos poupadores perderam boa parte da poupança que destinavam a investimentos de médio prazo.

Análise de especialistas e riscos do mercado de COEs
Especialistas em finanças estruturadas admitem que a cláusula de vencimento antecipado está “prevista nos contratos”, mas alertam que a comunicação tem sido insuficiente. A professora de finanças da USP, Dra. Marina Lopes, disse em entrevista ao G1 que "o volume de COEs de crédito cresceu 42% nos últimos dois anos, e a maioria dos investidores não entende que o capital pode ser consumido rapidamente se o emissor enfrentar dificuldade de crédito".
A própria CVM já indicou que está avaliando a necessidade de criar requisitos de divulgação mais robustos, sobretudo para produtos que prometem "segurança da renda fixa" mas que, na prática, dependem da solvência do emissor.
Perspectivas regulatórias e próximos passos
Com a liquidação programada para início de outubro, o próximo passo será o processamento das ordens de pagamento pelas corretoras. Tanto a XP quanto o BTG Pactual já enviaram informações ao Banco Central para garantir que os valores sejam creditados nas contas dos clientes ainda nesta semana.
Entretanto, espera‑se que haja um aumento de ações judiciais. Advogados especializados em direito do investidor apontam que a falta de clareza nas cartas de oferta pode gerar responsabilidade civil contra as instituições distribuidoras. Já há pelo menos duas petições ajuizadas no Fórum de São Paulo, buscando indenizações coletivas.
Em âmbito regulatório, a CVM deve publicar, ainda em 2025, um relatório preliminar sobre o caso, com recomendações que podem incluir: (i) a criação de um selo de "COE de capital protegido" mais rigoroso; (ii) a obrigação de incluir simulações de perdas extremas nos prospectos; e (iii) limites de exposição para investidores de varejo.

Antecedentes históricos dos COEs no Brasil
Os COEs surgiram no mercado brasileiro em 2013, como alternativa para captar recursos de investidores que queriam se expor a ativos de crédito, commodities ou moedas sem abrir mão de uma camada de proteção. Desde então, o volume anual emitido ultrapassou R$ 30 bilhões em 2022, segundo a B3. Contudo, casos de perdas severas já haviam aparecido antes, como o escândalo dos COEs de energia elétrica em 2019, que também gerou debates sobre a necessidade de maior transparência.
O que diferencia o episódio de outubro de 2025 é a magnitude das perdas: mais de 90% do capital em um dos produtos, algo que ainda não havia sido observado em larga escala. Essa situação pode marcar um ponto de inflexão na forma como bancos e corretoras estruturam e divulgam esses instrumentos.
Perguntas Frequentes
Como a liquidação antecipada afeta o investidor que comprou COEs da Ambipar?
O investidor receberá apenas 6,88% do valor aplicado, o que corresponde a R$ 68,80 por cada R$ 1.000 investidos. A perda efetiva é de 93,12%, gerando um impacto significativo no patrimônio de quem destinou recursos a esse produto.
Por que os COEs da Braskem não perderam 100% do capital?
Os acordos contratuais previam faixas de retorno entre 26,62% e 36,97% do capital, refletindo a diferença nos termos de proteção e nas cláusulas de gatilho. Assim, embora ainda haja perdas de 63% a 73%, parte do capital foi preservada.
Qual o papel da CVM nesse tipo de produto?
A CVM regulamenta os COEs por meio da Instrução 569, exigindo registro, transparência nas informações e adequação dos documentos de oferta. Após o caso Ambipar/Braskem, a autarquia está analisando medidas mais rígidas de divulgação de risco.
O que devo observar antes de investir em um COE?
É crucial ler o prospecto com atenção, especialmente as cláusulas de vencimento antecipado, os limites de crédito do emissor e os cenários de perda máxima. Buscar orientação de um assessor qualificado e comparar com produtos de renda fixa tradicional também ajuda a evitar surpresas.
Quais são as chances de novos casos semelhantes nos próximos anos?
Com o aumento da oferta de COEs de crédito, e sem mudanças regulatórias substanciais, o risco de novos gatilhos de vencimento antecipado permanece elevado. A tendência é que investidores mais cautelosos e a própria CVM adotem medidas preventivas.
Williane Mendes
outubro 9, 2025 AT 02:20A perfuração dos COEs expõe vulnerabilidades estruturais que vão além de meras perdas de capital; estamos falando de falhas sistêmicas na modelagem de risco de crédito associada a emissões corporativas. A cláusula de vencimento antecipado, embora prevista contratualmente, carecia de transparência suficiente para proteger investidores de varejo. Quando a XP acionou o gatilho, a reação dos mercados secundários foi quase inevitável, dada a deterioração dos spreads dos bonds da Ambipar e da Braskem. Esse cenário evidencia a necessidade de reforçar a regulação da Instrução 569, especialmente no que tange à divulgação de cenários de estresse. Em síntese, a lição aqui, para quem ainda não entende a natureza de “capital em risco”, é que a suposta segurança da renda fixa pode ser ilusória quando o emissor apresenta fragilidades de crédito.