alt set, 24 2025

O que aconteceu na Casa de São Pedro?

Na primavera de 1958, a capital italiana ainda sentia o calor da estação. O Papa Pio XII havia acabado de falecer, e o Vaticano se preparava para o tradicional velório aberto ao público. A tradição determina que o falecido fique exposto por quatro dias, permitindo que fiéis de todo o mundo prestem sua última homenagem.

Apenas um detalhe técnico mudou tudo: o médico encarregado da preparação, Riccardo Galeazzi‑Lisi, decidiu abandonar o método clássico de embalsamamento. Em vez de drenar órgãos, remover sangue e injetar conservantes, ele mergulhou o corpo em óleos aromáticos e o envolveu em camadas de plástico. A justificativa, segundo o próprio médico, era respeitar o desejo do pontífice de ser enterrado "como Deus o fez".

O clima quente de Roma, combinado com a falta de drenagem interna, criou a receita perfeita para a multiplicação de bactérias. Em poucos dias, gases como metano e dióxido de carbono se acumularam dentro da cavidade torácica do pontífice. No quarto dia de exposição, o incontrolável acúmulo fez o peito do papa estourar, liberando um odor de decomposição que encheu a Basílica.

Testemunhas relataram que o rosto do papamorto mudou de cor, assumindo um tom verde‑preto. O nariz, as orelhas e até os dedos começaram a se soltar do corpo, enquanto fluidos espessos escorriam pelos corredores. Guards e guarda‑civis, incapazes de suportar o cheiro, desmaiaram em sequência, forçando a rotatividade a cada dez a quinze minutos.

Consequências para o médico e para o Vaticano

Consequências para o médico e para o Vaticano

O desastre não ficou restrito ao maus‑olé o público. Dentro dos corredores do Vaticano, autoridades começaram a improvisar. Incenso foi queimado em grande quantidade, mas a fumaça não conseguiu mascarar a podridão que surgia do altar. Até mesmo os fiéis, encarando a cena, foram convidados a usar lenços para cobrir o nariz e a boca.

Para Galeazzi‑Lisi, o fim foi imediato. O Santo Padre, ainda que morto, tinha seu nome ligado a um proceder considerado desrespeitoso. O médico foi formalmente excluído de todas as funções oficiais e, nos meses seguintes, recebeu o rótulo de "persona non grata" dentro da comunidade eclesiástica. Seu nome foi apagado de registros, e ele acabou abandonando a carreira médica.

O Vaticano, por sua vez, tirou lições duras. O incidente gerou um debate interno sobre a necessidade de protocolos rígidos de preservação, especialmente em climas quentes. A partir de então, a Santa Sé passou a exigir que todos os corpos expostos seguissem normas de embalsamamento tradicionais, com drenagem completa e uso de conservantes certificados.

Além do aspecto técnico, o episódio trouxe reflexões sobre a relação entre tradição e modernidade. Enquanto alguns defendiam a inovação como forma de honrar a vontade do Papa, a realidade mostrou que a ciência ainda não estava pronta para abandonar procedimentos consagrados. O escândalo acabou se tornando referência em cursos de medicina legal e funerária, ilustrando, de forma impactante, o que pode acontecer quando a prática é ignorada.

Até hoje, o caso do corpo que explodiu na Basílica de São Pedro permanece nos anais como um dos maiores desastres funerários da história. Livros de história do Vaticano citam o episódio para lembrar que, mesmo em cerimônias sagradas, a ciência tem um papel essencial e que o respeito ao difunto inclui garantir sua dignidade física até o último adeus.