Por que o governo decidiu clasificar os telegramas?
Em meio a uma onda de solicitações de transparência, a O Globo pediu ao MRE o conteúdo completo de telegramas, despachos e circulares trocados entre o Ministério das Relações Exteriores e a embaixada brasileira em Caracas. O pedido cobria todo o período de 1º de janeiro de 2023 a 30 de dezembro de 2024 e se concentrava em mensagens que citassem Joesley Batista, Wesley Batista, JBS, J&F ou Âmbar Energia.
A resposta veio rápida: a embaixadora no Chile, Glivânia Maria de Oliveira, acionou a classificação de sigilo por cinco anos, usando a Lei de Acesso à Informação (LAI) como base. O texto legal permite restringir informações que possam "prejudicar ou colocar em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do país" ou ainda que sejam confidenciais fornecidas por outros Estados.
- Telegramas e despachos diplomáticos entre Brasília e Caracas;
- Comunicações contendo as palavras‑chave solicitadas;
- Registros de encontros oficiais, como a reunião de 27 de fevereiro de 2024 com Pedro Tellechea, então ministro de Petróleo da Venezuela;
- Detalhes sobre negócios envolvendo a J&F e a expansão da empresa no setor de energia.
A decisão de sigilizar o material gerou protestos de jornalistas que argumentam que a população tem direito a saber como o Estado lida com grandes conglomerados privados, sobretudo quando há risco de influência de regimes autoritários.

O que está em jogo para os Batista brothers?
Os irmãos Batista, controladores do grupo J&F – dono da gigante de carnes JBS – mergulharam no setor de petróleo ao adquirir a pequena empresa venezuelana Fluxus em 2023. Desde então, Joesley e Wesley vêm buscando oportunidades em campos de petróleo tanto na Venezuela quanto no Peru, sinalizando uma estratégia de diversificação agressiva.
A visita ao ex‑ministro de Petróleo, Pedro Tellechea, é apenas um exemplo das reuniões de alto nível que a J&F tem mantido com autoridades do governo de Nicolás Maduro. Embora o conteúdo das conversas permaneça oculto, a simples existência de diálogos com figuras-chave do regime levanta questões sobre a natureza dos acordos – seriam investimentos, fornecimento de equipamentos, ou até mesmo parcerias que contornam sanções internacionais?
Analistas de comércio exterior alertam que a presença de empresas brasileiras em setores estratégicos da Venezuela pode criar dependências delicadas. Por um lado, a expansão oferece acesso a mercados energéticos em crescimento; por outro, pode colocar os negócios em risco de interrupções políticas ou econômicas, além de expor investidores a críticas de movimentos sociais que condenam a cooperação com o governo de Maduro.
Para o governo Lula, a classificação de sigilo serve como um escudo diplomático: evita que detalhes sensíveis vazem e prejudiquem negociações em curso, seja com a Venezuela ou com parceiros regionais. Contudo, críticos argumentam que a medida pode ser vista como conivência ou, no mínimo, como falta de transparência perante a sociedade brasileira.
Enquanto isso, a O Globo segue pressionando por acesso total aos documentos, citando o direito constitucional à informação e a necessidade de fiscalizar potenciais conflitos de interesse entre o Estado e grandes empresários. A disputa judicial ainda está nos seus primeiros capítulos, e os próximos movimentos do Ministério das Relações Exteriores podem definir se outras comunicações diplomáticas também serão encerreadas sob sigilo.